domingo, 22 de abril de 2012

Rótulos ficam bem em potes de molho*



Considerações sobre Tops, Bottons, Dommes, Doms, Masters, Mistress, Subs, Slaves, Sadistas, Sadeanos, Masoquistas, Sadomasoquistas, Fetichistas, Baunilhas e Switchers
             
            O cara entra num site e começa a ler o texto. Um festival de nomes deixa tudo mais confuso. “Se você for switcher, bla bla bla”; “Caso for do desejo do Top, o bottom deve blablabla”.
              Afinal, o que são essas palavrinhas que parecem denominar os papéis e dar as cartas dentro do cenário fetichista, ou pelo menos dentro do cenário sadomasoquista?
                Sabe aquela pessoa que adora mandar, sente prazer em ser servida, amada, idolatrada, quer ver seus desejos decifrados e realizados com maestria, dá risadas com a humilhação dos seus servos na tentativa de lhe agradar? Esta pessoa não é o seu chefe (pode até ser, mas neste caso não importa a profissão). Esta pessoa é o dominador. Uma Domme ou um Dom sempre terá prazer em ser servido. Os traços psicológicos variam bastante, mas alguns são comuns: altivez, autoritarismo, severidade, vaidade, rigidez, sarcasmo e boa dose de ironia. Os diferenciais sempre bem vindos são a responsabilidade, a ética com as suas ‘peças’ – nome dado por alguns deles aos seus submissos, e o cuidado com a segurança e a integridade de toda a cena, além da inteligência e do repertório sociocultural.

                Já a Mistress ou o Master podem cumprir o papel de dominadores, mas não necessariamente o são. Cabe eles primordialmente serem especialistas em alguma área ou fetiche. Portanto, o cara pode ser um Mestre Bondagista, por exemplo, e não gostar de dominar ninguém, não querer submissos ou submissas. O prazer dele é imobilizar e o prazer de quem está amarrado é se submeter ali, naquele momento, à MAESTRIA daquela pessoa em determinado assunto. A Mistress pode ser excelente hipnodomme, mas detestar vínculos. Só quer a cena e o prazer de dominar pelas técnicas da mente. Logo, em se tratando de Masters e Mistress, o submetido não necessariamente precisa ser submisso; pode ser um Dom, uma Domme, um switcher, um fetichista, outro Master ou Mistress, um curioso ou aluno. A confusão acontece porque algumas Dommes ou Doms se intitulam Masters ou Mistress de forma equivocada. Para estar enquadrado nos últimos nomes é preciso dominar a arte, o fetiche, e não a pessoa, ainda que seja a arte de humilhar, a arte de espancar e por aí vai. Portanto, iniciantes dificilmente serão Masters ou Mistress, a menos que tenham estudo ou praticado muito antes de entrar para as sociedades fetichistas ou sadomasoquistas.

                E o Top? Que diabo é o Top ou a Top então? O bom (confortável) dos Tops é não necessitar de nenhuma prática. Quem é Top detém notório conhecimento e habilidade psicossocial na interação com seu grupo e os demais. O Top sempre tem suas preferências e suas maestrias, mas muitas vezes escolhe ficar observando ou orientando. As principais características de um Top são a persuasão e a lealdade, já que – de acordo com o conceito desenvolvido ao longo dos anos e presente na literatura BDSM – tratam-se de pessoas que circulam em grupo, nunca apenas com um par. Para merecer a confiança dos seus, devem ser íntegros, apresentarem lisura nos atos e justiça nos seus julgamentos. E não é questão de considerar dicotomias como o bem e o mal, por exemplo. O Top deverá ser leal de qualquer forma, senão não terá seguidores. É uma figura que desperta admiração e aí reside a sua vaidade e o seu trunfo.

                Bottons são pessoas que servem aos Tops? Não necessariamente. A principal característica de um bottom é ser entregue; é um laboratório de descobertas para quem se dispõe, tem paciência e habilidade para aceitá-los. Esta pessoa quer ser conduzida literalmente de olhos fechados e por isso necessita de total confiança e entrega na sua relação. Frequentemente esta entrega também é afetiva, o que faz com quem muitos Dominadores e Masters rejeitem esta figura já que ela ‘perde’ sua personalidade na relação fetichista. Diferentemente do Slave ou Submisso, o Bottom não impõe limites; permite que o Top, Dom, Domme, Master, Mistress ou Switcher descubra seus limites. Quem aceita treinar, fazer sessão ou cena com um bottom deve ter suas anteninhas muito ligadas porque é comum que ele tente ultrapassar seus limites para agradar quem está no comando.

                Mas então o masoca – apelido carinhoso dado aos masoquistas – é um bottom? Não. O masoquista sente prazer em sentir dor e não necessariamente em se submeter ou realizar desejos. Na verdade, o masoquista não está ligando muito para o que quem está do outro lado da tala, chicote, vela ou qualquer outro instrumento que lhe aplique a dor, sente. Ele quer é sentir prazer e por isso aceita algumas situações que frequentemente são confundidas com a submissão. Masoquistas conscientes sabem seus limites, sabem o que lhes provoca o prazer e é comum que sejam pessoas de bastante repertório, inteligência e traquejo emocional. Por dominarem seus próprios desejos, acabam tendo comando indireto na cena a que aparentemente se submetem, provocando o delírio de Tops, Switchers, Doms, Dommes, Mistress e Masters que aceitem lhes impingir a dor.

                E o Switcher? Maluco indeciso? Não. Não consegui localizar nada que me desse subsídios referenciais para falar do Switcher, mas vou falar da minha experiência, sobretudo da observação de como as pessoas gostam de se posicionar dentro do universo fetichista. O Switcher, longe de ser um cara ou uma mulher que está indecisa, geralmente é uma pessoa madura, dona do seu nariz, que aceitou provar os dois lados da moeda e gostou de situações pertinentes tanto à magia de dominar, quanto à beleza e coragem de se entregar. Vejo o Switcher como uma pessoa que não gosta de rótulos, se permite novas experiências e não se incomoda com o julgamento alheio. Busca o prazer em primeiro lugar.

                Sádico ou sadeano? Sádicos todos somos em alguns dias da nossa vida. Quem nunca sorriu ao ver um malandro se dar mal? Quem não tem vontade de esfolar um vivo quando é prejudicado ou tem um amigo trapaceado? Ser sádico, por essência, é sentir prazer em impingir a dor, seja moral, seja física. O sofrimento alheio, encenado ou não, provoca prazer profundo no sádico. Já o sadeano é alguém de personalidade mais rara, adepto dos pensamentos e doutrinas do Marquês de Sade, mas não necessariamente se compraz no sofrimento; e quando o impinge, o faz para poder sanar o mesmo sofrimento que provocou. O sadeano, em essência, é alguém provocador, vaidoso, obseno, culto, malvado, mas extremamente carinhoso e protetor. O ‘moralismo’ de Sade está presente em suas atitudes e pensamentos, e ele quer viver o prazer na prática, nunca (apenas) no campo das expectativas.

                Sadomasoquista é um ser que aprecia todas as práticas que envolvam dor, não importa se na posição de provocar ou sofrer. Frequentemente confundido com Switcher, esta espécie fetichista nos diverte (porque promove grandes espetáculos), mas precisa ser consciente dos seus limites. Difere-se do Switcher por ser praticante de cenas que envolvam dor física ou moral, não necessariamente submissão ou entrega permanente.

                Slaves e submissos são as alegrias de todos. Graças a eles nós do outro lado da força sentimos prazer. Eles se jogam, aceitam, se humilham, servem, nos fazem rir e nos enternecem. É por eles que maquinamos planos, matutamos cenas, treinamos e aperfeiçoamos habilidades. Eles são nossos objetos de orgulho, de preocupação e de proteção. Infelizmente muitos são irresponsáveis, escorregadios e imprudentes, com gradações de chatices que beiram a loucura. Mas submissos nem sempre são slaves e slaves nem sempre são submissos. Daí vai do que cada um topa e do acordo que faz com cada dominante ou mestre, seja de cena ou seja permanente.

                O fetichista é tudo isso e um pouco mais. Pode ser tudo ou nada, mas sempre será a pessoa que assumiu que tem desejos com padrão incomum. O fetichista tem apenas uma premissa: se permitir, ainda que na observação. Pode se descobrir fetichista como voyeur ou como sádico no spanking; como submisso que gosta de ser pisado (um tipo de podólatra) ou como Dom que prefere ser idolatrado. Fetichistas somos todos nós que assumimos o nosso lado B.

                E se você leu até aqui e pensa que não se enquadra em nada disso é porque definitivamente você é baunilha. Pode até sentir prazer na estética e neste sentido poderia ser confundido com o fetichista. Porém, o mais comum é que seja apelidado de baunilha apimentado. E ser baunilha não é rejeitar e sim não sentir prazer em nada do que foi descrito até aqui.

                E antes que alguém me diga que estou errada, que é assim ou assado e que escrevi bobagens, este é um texto descritivo, baseado nas minhas pesquisas acadêmicas (que devem virar tese em breve), na minha observação, na minha própria vivência e na minha estada no grupo BDSM Santa Catarina. Provavelmente se você achar que estou errada, estou mesmo. O importante é que cada um seja feliz dentro do seu entendimento; que este entendimento ou rótulo seja preciso de acordo com suas convicções. Mas como tudo no mundo (ou quase) possui uma classificação em algum tempo, aqui está a minha.

*Artigo publicado originalmente no site iFetiche